Conseguimos falar com Mário Valente, uma figura de referência no
panorama nacional da informática, um empreendedor com uma longa
carreira, já com vários projectos ligados à área dos videojogos.
Começou
a programar jogos e a fazer música no Spectrum e Commodore 64, fez a
música do jogo Kraal para Spectrum que saiu em 1990 pela Hewson
Consultants (produzido por Rui Tito), foi um dos pioneiros na introdução
da
internet em Portugal criando o primeiro ISP português - o Esotérica,
foi responsável pela modernização administrativa do Ministério da
Justiça, produtor executivo do remake do Deus Ex Machina e mais
recentemente um dos fundadores da primeira associação portuguesa
dedicada a
bitcoins e à
blockchain, entre muitas outras coisas.
Tal
como muitos outros, teve como principal motivação para a escolha da sua
área profissional o Zx Spectrum e os seus videojogos. Por isso,
passámos algum tempo com ele e pudemos saber um pouco mais sobre as suas
origens, o seu trabalho na área e algumas histórias interessantes que
merecem com toda a certeza ser preservadas para a posteridade.
Esta
será a última parte da entrevista, dedicada ao
remake do Deus Ex Machina e Spectrum Next. Podem ver a primeira parte dedicada, às suas origens no
Spectrum, passando pelos videojogos e pirataria
aqui ou a segunda parte dedicada ao primórdios da
internet em Portugal e formação do Esotérica,
aqui.
Regresso
aos Jogos
Quando saí em ’98 da Esotérica, a minha ideia era “Agora é
que eu crio uma empresa de jogos”.
Não aconteceu. Acabei por ser desviado para
outras áreas. Acabei por me envolver com a área dos portais, intranets e
desenvolver coisas para empresas. Depois quando acabei com isso em 2002,
pensei - "agora é que eu faço uma empresa de jogos", inclusive fiz o MBA na
universidade Católica para saber mais sobre gestão, empreendedorismo e finanças.
Quando terminei em 2004, comecei com uns amigos a preparar um jogo para
telemóveis que eu vi na altura que ia ter um boom grande. Começámos a fazer o
protótipo do jogo que era à base de MMS, nem era JAVA, começámos a fazer o
plano de negócio, mas depois tive de parar.
Em 2005 sou convidado para dirigir a informática do
Ministério da Justiça e mais uma vez fui desviado da minha ideia dos jogos.
Depois em 2008, penso - "agora é que começo uma empresa de jogos!".
Começo a
tentar levantar capital e percebi que conseguia levantar mais capital do que
aquele que precisava para fazer uma empresa só. Como na altura tinham aparecido
nos Estados Unidos em 2008 as primeiras empresas de micro capital de risco, de
Business Angels, resolvi juntar o capital todo que conseguia levantar da
família, amigos, conhecidos e começar uma empresa de micro-capital de risco.
(Logotipo do Deus Ex Machina 2)
Fiz um investimento num grupo de empresas de tecnologia e
uma delas, o meu projecto pessoal que era o jogo que eu mais tinha gostado no
Spectrum – o Deus Ex Machina. Durante aqueles anos todos sempre tinha dito que o Deus Ex
Machina era um jogo que dava para fazer um grande remake das consolas. Aquilo nunca
me saiu da ideia, aquele jogo feito nas consolas actuais era fenomenal.
Entro em contacto com o Mel Croucher, com o autor do jogo e
digo-lhe:
– Esta é a minha ideia – [ao que Mel responde] “Durante estes anos todos, durante
estes 25 anos, desde que saiu o Deus Ex Machina, já fui abordado diversas vezes
por pessoas a querem licenciar o nome, o conceito. Eu nunca quis, nestes
últimos 25 anos desliguei-me dos jogos, mas estás-me a entusiasmar. Sim senhor,
eu licencio-te o Deus ex Machina.”
-“Está bem, então por quanto?”
-“Quanto é que podes pagar?”
-“35 mil euros?” e ele “Está bem!”
(Screenshot de uma das cenas do jogo)
Gastei mais uns 100 mil euros para desenvolver o jogo com
uma empresa de desenvolvimento aqui em Portugal [(a Vectrlab)], portanto actuei
fundamentalmente como produtor. Desenvolvemos o jogo e acabei por estar envolvido em mais do
que produtor, ou seja, a definir os visuals,
a contratar o artwork, a contratar
aqui a equipa de programação…
O Mel Croucher, o autor, acabou por fazer-nos algumas
músicas novas para o jogo, gravaram-se novas músicas e eu participei em algumas
delas.
O jogo saiu para PC, Mac e Linux. O nosso objectivo original
era – se gerasse receitas suficientes lançá-lo para consolas - Playstation e
Xbox, mas as receitas não justificaram lançar o jogo. Não pagavam os custos de
desenvolvimento para as consolas que são muito mais altos do que os custos de
desenvolvimento para PCs.
É um art game, um
jogo conceptual equivalente em termos musicais ao The Wall dos Pink Floyd ou a
outro tipo de concept albums. O jogo não vale tanto pela jogabilidade, digamos assim, mas
pelo conceito, pelo storyline, pelas
letras das músicas, por isso é um art
game, sim.
Spectrum Next
Acho que ao longo do tempo, o que se passou a um nível de abstracção em termos computacionais que faz com que a “malta” que agora está na universidade, acabou há pouco tempo, que está agora “aí” se desligue um pouco do que são as máquinas no fundo.
Hoje para desenvolver para Xbox ou Playstation, consolas no geral, seja para PC Windows, tens uma série de ferramentas: editores, compiladores 3d… Uma série de ferramentas que te abstraem muito de como é que a máquina funciona. Eu sempre achei que fazia falta máquinas mais básicas, mas não no sentido de terem menos capacidades gráficas ou de som, máquinas mais bare bones. Tens a máquina, tens CPU, o sistema operativo a única coisa que sabe fazer é carregar software de cassete ou de SD card e mais nada! O resto tens de fazer tudo!
A minha ideia é confirmada pelo interesse enorme que tem havido em Raspberry Pi’s, Raspberry Pi Zero, em todos estes micro-PC's, digamos. Inclusive nestas máquinas que se vêem a aparecer em FPGA a emular os Amigas, os Spectrums, os Commodore 64…
Acho que faz todo o sentido uma máquina muito do género do Spectrum, com um sistema operativo muito básico que a única coisa que traz é uma linguagem de base, de sistema, no caso do Spectrum era o Basic, mas hoje em dia podia ser outra qualquer e [que] traz um
program loader para carregar ficheiros em qualquer suporte.
(Aspeto final do Spectrum Next que deverá sair muito em breve)
Basicamente, executar um programa é carregar um ficheiro do suporte para o endereço de memória, a começar no zero ou 16 584 ou no que for, como era no Spectrum.
A partir daquele ponto executar o código de máquina. Acho que faz muita falta uma coisa dessas e depois nomeadamente em que todo o input-output, [é] como era no Spectrum ou no Commodore 64 (por exemplo, [fazer] o som escrevendo bytes para um endereço específico de memória).
Tu és obrigado a desenvolver de outra maneira, as restrições do meio, fazem-te ter outro tipo de criatividade e por isso acho muito interessante haver uma máquina do género.
A linguagem acho que é um bocado irrelevante, podia ser Basic, podia ser Python ou uma coisa qualquer. O Basic acho interessante porque há versões de Basic super avançadas e há montes de jogos feitos em Basic especialmente afinados ou criados para desenvolver jogos, portanto é perfeitamente possível ser usado com esse fim [(a criação de jogos)].
Criar novos jogos para o Next
Repara, eu na altura fazia tudo em linguagem de máquina, directo. Hoje em dia, sabendo o que sei hoje, nomeadamente linguagens de programação, compiladores, etc.. Era divertido, era algo divertido de certeza absoluta.
Ainda há malta a lançar jogos recentes para [Atari] ST, para Amiga, para Mega drive, é divertido.
Acho mais interessante a área dos
remakes, por exemplo, gosto muito de ir buscar
remakes de jogos do Spectrum para os sistemas de hoje em dia, nomeadamente para PC's.
(screenshot do remake do Skool Daze, lançado no ano passado)
Existem excelentes
remakes, o do Atic Atac é fantástico, o do Cruising on Broadway é espectacular, existem
remakes muito giros [como o] do Skool Daze. Se fizesse alguma coisa para o Spectrum Next, era fazer um
remake de um jogo qualquer.
Para finalizar, agradecemos a Mário Valente a gentileza de nos ter concedido algum do seu tempo para esta entrevista/conversa e esperamos que os nossos leitores tenham gostado. Prometemos, assim que for possível, publicar neste blog outras entrevistas com personalidades relevantes e com ligação ao Spectrum, não só em Portugal, mas no mundo.