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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Community Showcase: Entrevista com Paulo Garcia (VITNO)


É do conhecimento público que sou fã da página Vintage is the New Old. Mesmo sendo multi-plataforma, não dispenso de a consultar quase diariamente. E com duas pessoas extremamente competentes e entusiastas como são a Sarah Burroughs e o Paulo Garcia, o resultado apenas podia ser excelente. Foi precisamente com o Paulo que conversei, numa entrevista cruzada, isto é, eu entrevistei o Paulo, e o Paulo entrevistou-me a mim (essa entrevista poderá ser lida na página do VITNO). Ficam assim a conhecer um pouco melhor algumas das pessoas que estão por trás destes dois projectos...

Planeta Sinclair: Qual o teu primeiro computador? Ainda o tens?

Paulo: Meu primeiro computador foi dado pelo meus pais em 1984 e era um clone do TRS-80, chamado Jr do fabricante brasileiro Sysdata. Adorava esse computador e passei muitas horas aprendendo a programar em BASIC que era o meu maior interesse, mais ainda do que jogar. Como se sabe, o TRS-80 é monocromático mas os jogos eram muito bons.

Infelizmente não tenho mais. Acho que um ou dois anos depois eu vendi ele para dar como parte de pagamento num CP-400, um TRS-80 Modelo II fabricado pela Prológica. Esse computador ficou comigo por bastante tempo também, mais ou menos até 1988 quando entrei na faculdade e acabei vendendo pra comprar um IBM PC (quanto arrependimento!).

PS: E qual foi o teu primeiro contacto com o Spectrum?

Paulo: Até agora provavelmente seus leitores estão pensando "o que esse cara está falando tanto dessas máquinas porcarias?", "Cadê o Spectrum!?". Para falar a verdade, meu contacto real com o ZX Spectrum tem apenas uns poucos anos, quando ganhei da Sarah (@CommodoreBlog) um par de Spectrums. Até então, nada. 

Quando recebi os pequenos, eu fiz a adaptação de video de um e comecei a usar bastante, de novo, mais programando em BASIC do que jogando. O outro está quebrado e ainda não consegui arrumar.

PS: Continuaste sempre interessado no Spectrum ou a paixão só voltou recentemente? E como foi este regresso?

Paulo: Ainda contando com o perdão e paciência dos leitores do Planeta Sinclair, como falei antes, minha experiência com o Speccy é recente, mas meu envolvimento com o irmão mais velho, o ZX-81 é bem antiga. Afinal, esse site chama Planeta Sinclair, então acho que está valendo, né?

Quando eu tinha 13 anos, em 1983, eu estudava no Colégio do Carmo, em Santos-SP, e meu professor de teatro, Roberto Villani, resolveu abrir uma escolinha de informática e ensinar BASIC pra molecada. Com a permissão do colégio, ele então divulgou isso na minha classe e eu me interessei em fazer. As aulas eram na casa dele e lembro que quando cheguei, haviam dois TK-82C ligados à TVs 10 polegadas e uns poucos alunos, talvez quatro ou cinco. Eu não lembro quanto tempo o curso durou, mas eu estava apaixonado pela maquininha e por programação. Acabei fazendo outros cursos com ele, do tipo BASIC avançado, etc. 

Na época, um grande amigo meu tinha um TK-85, ainda um clone do ZX-81 mas com a cara do ZX Spectrum. Ficávamos tardes e tardes brincando com o computador, ou jogando ou programando alguma coisa, ou ainda copiando programa de revistas, como a Micro Sistemas.

Eu lembro que sempre parava na vitrine nas lojas que vendiam os TKs e ficava namorando eles sempre pedindo pro meu pai um. Mesmo os computadores mais simples, como o TK-82C eram caros e apesar de termos uma boa vida de classe média, não era tão simples assim ganhar um "brinquedo" tão caro. No final de um ano e vários cursos de BASIC, meu pai me deu um computador, mas não era o TK. 

Depois de muitas décadas, aquele mesmo TK-85 veio parar nas minhas mãos como presente do irmão mais velho daquele meu grande amigo (que também é muito amigo). Até as fitas originais dos programas piratas (e alguns originais) estão ainda funcionando! (Eu escrevi um artigo no ViTNO a respeito disso).


PS: No passado tiveste contacto com outros computadores da “época de ouro”?

Paulo: Acho que meio respondi a maioria dos outros computadores com os quais tive contacto. A única excepção foi, já em 1990 ou 1991 quando tive contacto com um Amiga 500 que um colega de faculdade tinha. Foi apenas uma tarde e lembro que não me impressionou muito, já que não sabia nada sobre ele e nessa época tudo era relacionado com o IBM PC!

PS: E hoje em dia, estás interessado noutros sistemas? MSX, etc?

Paulo: Todos! Eu sou um coleccionador de todos os tipos de computadores da década de 70, 80 e 90 que posso adquirir. Tenho uma paixão pelos sistemas de 8 bits principalmente, mas faço excepções para outras máquinas 16 bits que não sejam IBM PC compatíveis, os quais não tenho o menor interesse. Hoje devo ter uns vinte e poucos computadores, indo de Commodore 64, Atari, MSX, Apple, TRS-80, e outros mais. Tenho um pouco de inveja de pessoas que se dedicam apenas a um tipo de computador, como você, André. Sempre imagino que se fizesse isso, teria muito mais coisas feitas pra esse computador. Hoje em dia eu não tenho tempo pra aproveitar tudo que eu tenho, o que é meio triste.

PS: Como era a cena do Spectrum e MSX no Brasil nos anos 80? Tinham acesso ao que vinha da Europa? Como sabes, na altura transpirava muito pouco para Portugal aaquilo que se passava efectivamente no Brasil.

Paulo: Os TKs fizeram muito sucesso no Brasil, mas sempre tenho a impressão que a época de ouro mesmo pra eles foi os compatíveis com o ZX-81. O TK-90X, o ZX Spectrum clone saiu em 1985 o que talvez já fosse um pouco tarde e sempre tenho a impressão que não fez muito sucesso. Triste pensar que não lembro de nenhum amigo que tivesse essa máquina. Lembro sim muitos amigos com vários clones do ZX-81 e TRS-80, mas não do ZX Spectrum. Talvez tenha sido o meio em que eu vivi e outros brasileiros que estejam lendo isso vão me desmentir, o que eu entendo :)

Isso provavelmente é bem sabido pelos amigos Portugueses, mas o Brasil teve a reserva de mercado que proibia a importação de equipamentos de informática, então computadores pessoais vindos de outros países eram raros, geralmente trazidos por pessoas mais "endinheiradas" que viajavam para o exterior. Com relação à software a coisa era diferente, tendo abundância tanto das cópias piratas, como também empresas "sérias" que vendiam programas/jogos estrangeiros mas sob a marca deles, ou seja, pirateados do exterior mais vendidos no Brasil!

PS: É para ti uma surpresa a dinâmica actual do Spectrum, com vários jogos a aparecerem todas as semanas, alguns com uma qualidade superior mesmo aos grandes blockbusters dos anos 80? Como vês o futuro do Spectrum?

Paulo: Eu tenho um gosto especial pelo ZX Spectrum (como também pelo ZX-81) e sempre acompanho de perto o que está acontecendo, geralmente lendo o Planeta Sinclar ;) - É surpreendente a quantidade de jogos de qualidade que são lançados o tempo todo. Acho que em grande parte devemos ao Jonathan Cauldwell com o Arcade Game Designer e toda a turma de aficionados que criam jogos usando essa ferramenta.

Os jogos do Spectrum são charmosos, com aquela paleta de cores características (e o colour clash!) e eu adoro! Acho que a plataforma está mais forte do que nunca e ainda veremos muita coisa sendo lançada, com jogos grátis e comerciais. Não falta fãs para o ZX Spectrum, vê-se o sucesso do Vega (vamos esquecer a parte ruim) e agora o Next.

PS: Foste Backer do Spectrum Next? Qual a tua opinião sobre um computador, que sendo desenhado pelo Rick Dickinson e sendo o natural herdeiro do ZX Spectrum, rompe com muitas convenções instituídas?

Paulo: Eu fui um backer do Next, na versão standard e recebi minha máquina no começo de Fevereiro. Na época minha única intenção era ter um computador que seria meu ZX Spectrum para programar, jogar, etc. Eu confesso que a parte "Next" do projecto pouco me interessava. Eu não achava atraente pensar num Spectrum melhorado ou como seria ele se tivesse continuado a ser desenvolvido esses anos todos. 

Depois que recebi a máquina eu vi o quanto estava errado! O funcionamento dele como ZX Spectrum 48K ou 128K são bem legais e é o que eu uso mais, porém quando eu comecei a ler o manual e me familiarizar com as modernidades do computador, eu me senti como o Paulo de 14 ou 15 anos descobrindo seu novo computador e aquilo até me comoveu.

Hoje, depois de ter acordado, eu vejo o Next realmente como o sucessor do ZX Spectrum e fomos abençoados em ter podido contar com o design inspirado do Rick Dickinson e poder ver que o legado dele continua com essa maquina linda! 

Confesso que a parte de hardware melhorado ainda não me atrai em nada, como colocar um Raspberry PI e essas "frescuras", mas o que posso fazer? Como se diz, "cachorro velho não aprende novos truques".

PS: Fala-nos um pouco sobre  ti? O que fazes actualmente?

Paulo: Depois da minha adolescência aprendendo BASIC, eu segui minha carreira como programador. Formei-me em 1991 e nunca deixei de ser apaixonado por desenvolvimento de software. Mudei-me do Brasil pro Canadá em 2008 e hoje sou gerente de desenvolvimento na BlackBerry, trabalhando na equipe que faz o BlackBerry Radar. Ainda coloco a mão na massa programando na maioria do tempo em Javascript, mas nas horas vagas ainda volto pro BASIC e algum assembler pra computadores de 8-bits˜

PS: E quando é que começou a tua participação no VITNO Sinclair e de que forma? Sendo uma página multi-plataforma, como vêem o Spectrum no meio de máquinas muito mais potentes?)

Paulo: O ViTNO tem suas origens no site "Commodore is Awesome" (perdão por usar a "C= word" aqui :) ). Envolvi-me com o pessoal que cuidava do site por volta de 2013 e comecei a escrever uns artigos também e até fiz um jogo pro C64 que foi publicado na Retro Gamer! Depois de uns anos, a maioria saiu pra cuidar da vida ou outros projectos, sobrando eu e a Sarah. Uma época falei da vontade de fazer um site multi-plataforma e convenci ela de criar o Vintage is The New Old. Por um tempo mantivemos os dois sites lado a lado, mas como isso era humanamente impossível, nós combinamos os dois, mantendo somente o nome Vintage is The New Old. O ViTNO já fez 6 anos no mês passado! 

11. Qual o teu modus operandi na actualização das notícias na página? Dedicas muito tempo?

Paulo: Nos primeiros anos, o ViTNO era primariamente um site de notícias então eu e a Sarah ficávamos cavando notícias de várias plataformas por várias horas e publicando várias num dia só. Era uma loucura mas por volta de 2016-2018 chegamos a ter meio milhão de visitantes por ano. O problema é que publicar notícias só por publicar perde a graça e é muito desgastante. Acho que a partir de algum momento em 2018 resolvemos mudar um pouco a estratégia e parar de querer publicar "tudo" e só escrever coisas que achamos interessantes ou algum conteúdo que criamos nós mesmos pro site. Graças a contribuidores como Alec Foster, Louie Dimovski e outros grandes escritores, o ViTNO começou a ter um conteúdo mais interessante (eu acho!). Ainda publicamos notícias, mas bem menos do que fazíamos antes. 

Hoje em dia a Sarah quase não participa mais do site, então eu dependo muito dos outros contribuidores que dependendo da dinâmica da vida pessoal deles, podem contribuir mais ou menos. 

No que depende de mim, o tempo que tenho geralmente é destinado para ler o que está acontecendo nas redes sociais e visitando alguns sites, como o Planeta Sinclair, Atariage, Atariteca e se achar interessante eu escrevo a respeito. Só evito um site específico, mas isso é outra história!

O ViTNO é um hobby e não ganho dinheiro com ele (só gasto!), então só faz sentido escrever coisas que tenho prazer em fazer. Regra que passo a todos os contribuidores que tivemos e temos ainda hoje.

PS: A página tem milhares de visitantes. É para ti uma surpresa a adesão demonstrada pelas pessoas?

Paulo: É difícil não checar as estatísticas e me alegra que site tem variado de 30 000 a 60 000 visitantes por mês, dependendo do tempo que eu e os outros autores tem disponível pra escrever. Não quero parecer metido falando isso porque não é o caso, mas confesso que depois de tantos anos não é mais uma surpresa o número de visitas que temos, salvo excepções. O que é sempre uma agradável surpresa é saber como as pessoas gostam do conteúdo e as palavras de carinho que às vezes recebo no email ou num comentário no Twitter, por exemplo. Isso faz tudo valer a pena.

PS: Quais os teus planos para o futuro?

Paulo: Tenho muitos planos para o ViTNO mas acho que nenhum vai se concretizar (HAHAHA) pois me falta tempo para desenvolver as áreas do site que gostaria que fossem melhores, como por exemplo o Homebrew Database.

Tenho engatilhado alguns artigos, como uma série tutorial sobre a linguagem Action! pro Atari 8-bits e outro sobre as penúrias do desenvolvimento em C para o ZX Spectrum. A hora que eles estiverem prontos, eu publico.

Também tenho tentando desenvolver mais o canal do YouTube do ViTNO. É uma experiência nova e desafiadora fazer vídeos, mostrar a cara e falar em Inglês com esse sotaque que eu tenho! Eu sinto que mais e mais as pessoas preferem assistir do que ler, mas o canal do YouTube vai ser mais um complemento pois o ViTNO continuará enquanto eu puder manter!

PS: Finalmente, consideras que estamos perante uma nova idade do ouro, no que toca ao Spectrum (ou retro computadores em geral)?

Paulo: Estamos sim na época de ouro, que já dura alguns anos. A área de hardware é particularmente favorecida com o barateamento dos meios de produção o que permite qualquer um com conhecimento lançar produtos de qualidade em escalas pequenas. Mesmo os computadores baseados em FPGA como o Next, MisTer, etc trazem infinitas possibilidades.

A área de software, principalmente jogos, não fica atrás. Usando ferramentas e computadores modernos permite com que programas sejam desenvolvidos e testados numa fracção de tempo do que acontecia no passado. É só ver a quantidade de jogos desenvolvidos usando o AGD, lançados para o Spectrum.

PS: Muito obrigado Paulo, foi um prazer falar contigo. Muito boa sorte para todos os teus projectos e para o VITNO em particular!

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