A Micromania de 5 de março de 1989 é deveras especial, pois apresenta um marco na história dos videojogos portugueses. Esta edição trouxe uma review muito detalhada de João Cruz a uma conversão portuguesa para o ZX Spectrum de um jogo de arcada japonês, City Connection. Conversão totalmente nacional desenvolvida por três estudantes universitários: Manuel Lemos na programação, Renato Pinho nos gráficos e Paulo Gordinho na música. João Cruz realça desde cedo que esta produção portuguesa se coloca ao nível do que se fazia no estrangeiro, algo que mostra bem o talento que existia por cá, mesmo sem uma indústria organizada.
Outro ponto importante é a ambição da equipa. Os autores estavam a tentar comercializar o jogo com o apoio de uma empresa britânica, algo que demonstra o nível de confiança que depositaram no projeto. Para João Cruz, esta era a prova de que os programadores portugueses não só tinham capacidade para criar bons jogos, como também podiam aspirar a competir lá fora. Infelizmente não foi possível aos autores encontrar uma distribuidora, visto que a indústria já preferia os 16-bit, com o agravante dos autores não terem a licença da Jaleco (a detentora do IP) para publicar a conversão.
No conjunto, esta review assinala um momento pioneiro para Portugal. City Connection mostra que, mesmo numa época em que quase tudo o que jogávamos vinha do Reino Unido ou de Espanha, era possível criar algo de qualidade cá dentro. Para quem acompanha a história do desenvolvimento de videojogos no nosso país, este recorte é uma peça fundamental, porque documenta uma das primeiras tentativas sérias de produção de um videojogo português com qualidade.
Foi também obra do destino que esta versão 128K de City Connection tenha sido recuperada. Durante décadas pensou-se que estava perdida, e apenas a versão 48K havia sido preservada. A pista essencial surgiu precisamente deste artigo da Micromania: João Cruz menciona na review que tinha recebido uma cassete enviada pelos autores. Mal sabíamos nós que essa mesma cassete tinha sido cuidadosamente guardada pelo próprio Cruz no arquivo pessoal do Jornal de Notícias. Esse gesto simples, há mais de trinta anos, foi o ponto de partida que permitiu a recuperação histórica.
Graças a essa pista, no dia 29 de janeiro, no Museu LOAD ZX em Cantanhede, foi finalmente possível digitalizar a versão 128K, com os criadores do jogo presentes. Tratava-se da versão demo que Manuel Lemos enviara em 1988 para várias revistas, contendo diferenças em relação ao jogo final, como a inscrição DEMO no ecrã e apenas uma vida. Mas o essencial estava lá: os 12 níveis completos, as animações adicionais e a voz sintetizada. A etapa final coube a Emanuel Santos, que rapidamente recriou a versão original, removendo as proteções escondidas no código, e permitindo que os fãs possam usufruir plenamente deste jogo, como o caso de Francisco Cruz, recordista e fã nº1 de City Connection em Portugal.
Em suma, este artigo veio a dar num momento único de preservação histórica e, acima de tudo, um reencontro com um dos marcos mais importantes do desenvolvimento de videojogos em Portugal.
Além desta review também encontramos as contribuições habituais dos leitores, na forma de mapas, dicas, pokes e sugestões, que podem ler na digitalização de Miguel Brandão disponível aqui.
(nota: sim, eu sei que falhei a semana passada, a minha vida tem sido uma correria, e só posso pedir paciência e compreensão aos poucos visitantes do blogue que acompanham estes recortes da Micromania)
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