sábado, 25 de novembro de 2023

O trabalho de preservação (parte 1)

Nos anos 80 do século passado, pensava-se que a vida útil de uma fita magnética (cassete) rondaria os 10 a 20 anos. A realidade, felizmente, não o confirmou, pois ainda hoje em dia a maioria das cassetes dessa altura, desde que mantidas em boas condições, continua legível e apta a permitir a preservação do seu conteúdo. 

Assim, desde cedo (início dos anos 90), a comunidade do ZX Spectrum uniu-se numa causa comum: preservar digitalmente os programas e jogos que estavam contidos nessas cassetes. Surgiram então, a partir de meados dos anos 90, inúmeras páginas na World Wide Web, disponibilizando todos aqueles jogos que, 10 e 15 anos antes, faziam as delícias das pessoas. Nem sempre estes conteúdos estavam devidamente autorizados pelas software houses, pois os copyrights era violados de forma sistemática e quase escandalosa, no entanto, foi graças a esse trabalho de preservação que se conseguiu conservar o espólio imenso que atualmente existe relacionado com os computadores da Sinclair e da Timex.

Infelizmente, em Portugal, esse trabalho não foi feito de forma consistente e os programas que atualmente existem preservados, na sua maioria, apenas foram recuperados nos últimos cinco anos, mais uma vez devido ao interesse, mesmo que tardio, de um pequeno número de pessoas, que tomou entretanto consciência da importância do trabalho de preservação. Basta ver que em 2013, segundo o livro de Nelson Zagalo "Videojogos em Portugal: História, Tecnologia e Arte", eram conhecidos menos de 30 programas desenvolvidos para o ZX81 e ZX Spectrum. Aliás, para o ZX81 apenas se conheciam dois jogos, ambos de José Oliveira. 

Dez anos depois, e graças ao enorme trabalho de preservação que tem sido feito, liderado maioritariamente por Planeta Sinclair, mas contando com o forte apoio de um pequeno núcleo duro da comunidade, estão referenciados cerca de 900 programas criados por programadores portugueses, ou lançados oficialmente por editoras portuguesas, sem contar com as várias centenas de type-ins que foram aparecendo nas muitas revistas, jornais e livros dos anos 80, nem com programas de origem "duvidosa" (na altura era comum aparecerem programas creditados a programadores nacionais, que mais não eram que adaptações de programas estrangeiros - mais habitual ao nível dos type-ins, que desrespeitavam os direitos de autor). No entanto, o trabalho ainda vai a meio, pois existem ainda algumas centenas de programas por descobrir ou por preservar digitalmente.

Inevitavelmente, existe resistência por parte de alguns elementos da comunidade. Por terem nas suas mãos uma cassete que ainda não está preservada (o vulgar "M.I.A"), julgam erradamente que têm um grande tesouro nas mãos. Na realidade, o valor de uma cassete estabelece-se pelo número de cópias existentes, não pelo facto de o programa estar disponível, ou não, digitalmente. Embora as cassetes tenham um período de vida superior ao que se esperava, não vão durar eternamente, quer por eventuais acidentes que possam acontecer, quer porque têm um período de vida útil limitado. Se esse programa não se encontrar preservado digitalmente, não só se perde a hipótese de alguma vez vir a ser recuperado, como o próprio dono da cassete, cujo programa se deteriorou, também não tem possibilidade de regravá-lo, ficando com um mono nas suas mãos.

Assim, por todas as razões, o trabalho de preservação deve ser a principal prioridade da comunidade interessada no ZX Spectrum. Não só ao nível do hardware (e para isso existe o Museu LOAD ZX Spectrum), mas também ao nível do software e da própria literatura existente (os livros e revistas também têm um período de vida útil finito).

Pode-se também pensar que preservar digitalmente uma cassete com um programa para os computadores da Sinclair ou da Timex é uma tarefa muito complexa. No entanto, ao contrário da perceção comum das pessoas, o trabalho de preservação, desde que seja seguida uma determinada metodologia, é bastante simples. Mesmo quando as cassetes aparentam estar deterioradas, com alguns cuidados, é possível fazê-las voltar à vida. Assim, na maior parte das vezes, uma boa limpeza, secagem das humidades, lubrificação das roldanas e mudança do velcro são o suficiente para se conseguir uma leitura bastante boa da fita, que permita posteriormente a preservação digital, partindo do princípio de que a gravação se encontra em boas condições.

A quem pretender dedicar-se a esta tarefa, aconselha-se a utilização de três programas, todos existentes em open source ou freeware:

  • Um programa de gravação e edição de ficheiros áudio ("Audacity", por exemplo)
  • Um conversor de .wav para .tzx ("Wav2tzx", por exemplo)
  • Um copiador ("The Key", "Ominicopy 2" ou "Pirata", por exemplo)

O copiador apenas é utilizado nos casos mais difíceis, permitindo criar um backup do programa em fita magnética, podendo depois essa cópia ser a fonte que vai dar origem ao ficheiro .wav.

Com o programa de gravação e edição de ficheiros áudio, é possível passar para os computadores pessoais, através de um vulgar leitor de cassetes, o conteúdo da fita magnética. Estes programas permitem gravar o som em modo "mono", fundamental para se conseguir fazer depois a conversão, mas também para trabalhar digitalmente o som da gravação, nomeadamente limpando ruídos de fundo, atenuando a distorção, amplificando o som, etc..

Tendo a gravação ficado em boas condições, é depois possível fazer a conversão para um ficheiro .tzx, ficando então o programa devidamente preservado.

É este o método que tem sido utilizado por Planeta Sinclair e que permitiu recuperar mais de 2.000 programas nacionais e estrangeiros desde 2017. 

14 comentários:

  1. É simplesmente sensacional o trabalho que vocês fazem. Uma corrida contra o tempo, ingrata por vezes; gratificante, outras. Quem sabe um dia vocês encontrem os três programas que eu fiz, "Fireboom", "Passarelle" e "Flip'Ant" deixados em Portugal quando vim para o Brasil. =) Grande admiração por vocês, que mantêm a chama acesa. Abraços!

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    1. Ui... Vamos tentar. Nilson, o que é que podes dizer sobre estes jogos? Foram passados a muita gente? Foi mais ou menos em que altura e em que zona geográfica?

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    2. Acho que nem há esperanças, André! kkkk "Não te apoquentes". Eu morava em Faro e isso foi em 1990/1991. Ficaram duas gavetas cheias de Microhobby e de cassetes. Os meus jogos, para parecerem sucessos, eu os gravei numa "compilação" BASF, TDK ou algo assim, lá no meio entre os hits, para parecerem blockbusters do Spectrum. Não os passei a ninguém, o que torna a coisa pior. Eu sei que não ajuda muito, mas a esperança é a última que morre. Um grande abraço e obrigado.

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    3. era casa de família? Alguma referência de quem foi para lá?

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    4. Nada. Era alugada. Como disse, só um milagre. Fica bem impossível =) De qualquer modo, muito obrigado pela boa vontade! You guys are the best!

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  2. Já tive oportunidade de escrever sobre o trabalho de preservação que vocês fazem. É, de facto, sensacional como disse o Nilson. Parabéns, parabéns!

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    1. Muito obrigado, Dezembro vai haver boas novidades... :)

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  3. Mais uma vez endereço os meus parabéns a toda a equipa que tem feito um trabalho notável.
    Assim se perpectua a história do que foi a iniciação na programação dos entusiastas portugueses.
    Obrigado.

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    1. Muito obrigado por todo apoio que nos tem dado, Fernando. Grande abraço!

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  4. Obrigado pelo trabalho desenvolvido.

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  5. Os meus parabéns pelo vosso trabalho de preservação destas memórias!

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