Em meados de 2021, quando foi escrito originalmente o artigo sobre o CNA para o livro “Os Programadores Portugueses”, ainda existia muito pouca informação sobre este clube. Por um lado, as memórias das pessoas eram muito difusas. Por outro, a própria informação que apareceu em alguns jornais da época (A Capital), levaram a que erradamente fossem retiradas algumas conclusões que se viria depois a ver que não estavam certas.
Mas tudo mudou recentemente, pois não só tivemos acesso á primeira edição do JN, que refere claramente quando o clube iniciou as suas actividades, como tivemos acesso a mais pessoas relacionadas com este. Conhecemos assim recentemente o João Cruz, responsável pela secção “Micromania” do suplemento do JN, o seu irmão, Francisco Cruz, um dos grandes contributores desse espaço, e Nuno Silva, que além de ser um dos membros do CNA, também contribuía muito regularmente para o suplemento. Torna-se assim importante fazer este esclarecimento e contar como tudo realmente aconteceu.
A história começa em 1987 (e não 1988, como antes tinha sido referido por nós, e como também é referido nas páginas d’A Capital, jornal no qual nos baseámos para escrever na altura o artigo). É nesse ano que João Cruz funda o CNA, Clube Nacional de Aventura. Grande apaixonado das aventuras de texto e gráficas, ao contrário do seu irmão Francisco, mais virado para os jogos de arcada, deu assim asas à sua imaginação e criou um clube que, apesar de nunca ter tido muitos sócios (talvez duas a três dezenas de sócios efectivos), deixou as bases para que muito programador amador Português conseguisse desenvolver os seus trabalhos. Era através desse clube que conseguiam chegar a cópias do GAC, PAW e The Quill, motores que permitiam de forma bastante intuitiva criar-se aventuras, e que não era fácil de encontrar-se em Portugal, mesmo no circuito pirata (e com instruções ainda menos).
Um dos trabalhos do João Cruz a aparecer n’A Capital, ainda antes de colaborar no JN
A 17 de Abril de 1988 surge nas páginas do JN o suplemento, “Micromania”. Na altura ainda a preto e branco (cerca de ano e meio mais tarde, também fruto do seu sucesso junto dos jovens, o suplemento sofreu uma pequena reformulação, passando a ser publicado a cores). E logo no primeiro número, o João Cruz abre a porta à participação dos leitores, criando uma rúbrica dedicada à aventura (Clube de Aventura). Não será simples coincidência o nome ser já uma referência ao CNA, que na altura ainda estava pouco divulgado. Ao longo das páginas do suplemento, que saia com uma regularidade semanal, o João vai divulgando sempre que é oportuno o CNA.
Mas com a entrada do João Cruz no JN, e sendo este o fundador do CNA, poder-se-iam colocar alguns problemas de conflictos de interesses. Por essa razão, o João Cruz convida em 1988 o seu amigo e vizinho Nuno Silva para ser o coordenador do clube. E é também nessa altura que surge o Nuno Leitão, que residindo na zona de Lisboa, poderia alargar o leque de intervenção do CNA. Além disso, o próprio Nuno Leitão tinha desenvolvido um jogo,
24 Horas (recentemente recuperado por Planeta Sinclair), que viria ser o primeiro a ser oferecido aos sócios do CNA. Assim, o Nuno Leitão e o Nuno Silva ficaram como sócios número 1 e 2 do CNA, respectivamente, e coordenadores do clube a nível nacional.
Toda a vertente gráfica do CNA (logotipos, templates de carta, etc.) foram criados também pelo João Cruz, que é também o responsável pelo Football Machine, um jogo PBM que era divulgado no clube. Têm
aqui mais exemplos das contribuições do João para A Capital. Também aqui teremos que corrigir o nosso lapso, pois devido às memórias difusas das pessoas com quem falámos em meados de 2021, erradamente presumimos que teria sido o Nuno Silva o responsável pela vertente gráfica. Este lapso apenas a nós cabe a responsabilidade (mais concretamente ao autor deste texto), até porque só recentemente conseguimos contactar o Nuno Silva, que era alheio a tudo isto. Aliás, quando recentemente estivemos com ele, no evento GOTY 2022 em Cantanhede, o próprio Nuno mostrou a sua surpresa com toda a dinâmica que ainda existia à volta do ZX Spectrum. O Nuno estava muito longe do ZX Spectrum. Além disso brindou-nos com algo precioso: parte da correspondência trocada com os sócios em 1988 e 1989…
Cartão de sócio do CNA com Big Fat Joe, personagem criado por João Cruz
Através das cartas, não só confirmámos tudo aquilo que referimos acima, como ainda trouxe à luz mais alguns pormenores muito interessantes.
Assim, ficámos a saber que o número de sócios pagantes rondaria as duas dezenas por final de 1988. Pode não parecer muito, mas é bom não esquecer que as aventuras faziam parte de um nicho muito específico, pouco enraizado no nosso país.
Confirmámos também que a primeira aventura distribuída pelo CNA foi o 24 Horas, o que de resto já tinha sido referido nas páginas d’A Capital. No entanto, onde as coisas já não batem certo é relativamente a Avenida Dom Rodrigo da Cunha, jogo de David Fernando Varela Santos e que A Capital refere como sendo o segundo jogo distribuído pelo CNA. De facto isto não corresponde à verdade, pois através das cartas que o Nuno Silva nos entregou, conseguimos descobrir a sequência correcta dos jogos distribuídos pelo clube. O segundo jogo a ser distribuído foi Jack the Ripper, a famosa aventura para +18 lançada pela CRL em 1987. E logo de seguida, como terceiro jogo distribuído pelo CNA, a aventura lançada em 1988 pela Dinamic, La Guerra de las Vajillas. Mais tarde foram partilhados com os sócios jogos como The Forest of Shadows (jogo de Mário Nogueira que vai ser em breve disponibilizado no Planeta Sinclair), Lobo Solitário e Avenida Dom Rodrigo da Cunha.
Relativamente a Lobo Solitário, presumimos que se possa tratar de uma adaptação de uma das aventuras de Lone Wolf, no entanto, até poderá ser algum trabalho original nacional baseado nessas histórias. Talvez algum dia o venhamos a encontrar.
Quanto ao Avenida Dom Rodrigo da Cunha, apenas numa carta de um sócio encontramos referência a essa aventura, que ainda não está preservada. Presumimos assim que tenha sido distribuída numa fase mais avançada do clube (A Capital refere como sendo 1989).
Mas também tivemos acesso a outro tipo informação. Sabemos assim que o preço das quotas era de 100$00 mensais e que se destinavam à aquisição das aventuras e posterior distribuição pelos sócios do clube. Ficámos também a saber que estava previsto o lançamento de um fanzine em 1989 (“Escriba”), que seria responsabilidade do Nuno Leitão. No entanto, julgamos que nunca chegou a ser lançado e o próprio Nuno Leitão não se recorda do fanzine ter chegado a ser desenvolvido.
Por volta de 1989/1990, o clube perdeu parte da sua dinâmica. É preciso não esquecer que os seus coordenadores eram estudantes na altura e com a entrada na faculdade, deixaram de conseguir dedicar o tempo que queriam a este projecto. O próprio João Cruz estava bastante envolvido no suplemento JN com a “Micromania”, o principal divulgador do ZX Spectrum na zona Norte do nosso país, não tendo assim oportunidade de dinamizar mais as actividades do CNA.
Ainda não temos a correspondência do clube que está na posse de Nuno Leitão (teremos acesso a ela mais tarde), mas conseguimos encontrar uma carta (não datada, mas dentro de um envelope com selo de 1990), na qual Ricardo Bravo propõe a Nuno Silva transformar o clube numa verdadeira associação, apresentando mesmo uma lista de trabalhos de Março de 1990 a Julho de 1990, que poderemos ver abaixo.
Podemos verificar que mais uma vez é referido a publicação “Escriba”, o que quer dizer que até início de 1990 ainda não estava lançada. No entanto, a partir desta altura perdemos o rasto ao CNA ou à denominada associação APJCAT (Associação Portuguesa de Jogadores e Criadores de Aventuras de Texto). Não temos informação que a mesma tenha sido efectivamente criada, apenas sabemos que existia essa intenção por parte de Ricardo Bravo.
E qual o futuro do CNA? Será que se ficou por aquilo que desenvolveu entre 1987 e 1990? Seria uma pena, ainda mais que agora temos acesso a todos aqueles que de uma forma ou doutra contribuíram para o surgimento e sucesso do mesmo. Apenas não encontrámos o Ricardo Bravo, e seria importante, até para sabermos o que aconteceu no período pós Março de 1990. No entanto, existe a vontade de reactivar o clube, com o lançamento de novas aventuras (o Nuno Leitão já está a trabalhar nisso). O próprio João Cruz e Francisco Cruz forneceram-nos as memórias e material precioso dessa época, tal como o Nuno Silva com as cartas que partilhou connosco. Mas ainda existe muito para se descobrir, e o segredo reside em parte no repositório do João Cruz, que possui preciosidades que se pensava perdidas para sempre, como foi o caso do
City Connection 128K e SOS no Paraíso, ou dos jogos que criou com o seu irmão, Tape for an’Eye e International Remo, todos recentemente preservados no Museu LOAD ZX em Cantanhede e a serem partilhados em breve.
A história vai ter continuação e estamos ansiosos para ver os próximos capítulos…
Grandes descobertas, André. Parabéns pelo cuidadoso e rigoroso trabalho de investigação.
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