segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

E o melhor jogo português é...?

Quem assistiu no passado Sábado ao GOTY do Planeta Sinclair, transmitido no canal do LOAD ZX Spectrum, certamente teve uma noite bem passada com a apresentação das premiações nas diversas categorias. E que jogaços tivemos em mãos! Tantos os vencedores bem como os restantes jogos foram de grande qualidade. Sem dúvida, o ano de 2021 foi inesquecível. A comunidade internacional do ZX Spectrum continua frenética, vibrante, produzindo dezenas de jogos a cada mês. Outras plataformas retro têm comunidades maiores mas não se aproximam ao volume de produção da nossa comunidade.

São vários os estúdios, pequenas equipes ou programadores solitários que, na Rússia, na Espanha, no UK e em outros países esticam constantemente os limites computacionais do ZX Spectrum. Pois bem, o fã do ZX Spectrum está a viver um renascimento de uma época dourada, ainda que delimitado ao nicho do retrogaming, mas sem prejuízo da qualidade das produções. Quem há 10 anos atrás imaginaria este cenário? E o seu sucessor, o Next, fez agitar ainda mais a comunidade com uma mão cheia de lançamentos. Infelizmente não nos foi possível avaliar os títulos lançados para o Next mas certamente será uma categoria a ser considerada no próximo GOTY pelos seus idealizadores. 


Mas em relação à nossa comunidade, a lusa, aquela onde o Planeta nasceu? O que o GOTY nos disse a nosso respeito? Qual teria sido o jogo luso melhor pontuado? Pois bem, não tivemos resposta a essa pergunta porque não havia nada com que pontuar. É um pequeno desgosto meu (e certamente partilhado pelos meus colegas do Planeta) a ausência da presença lusa nos títulos pré-selecionados pelo painel. Mas a qualidade dos jogos de 2021 é tamanha que era inevitável o gargalo apertasse de forma implacável. Por acaso até tivemos um jogo luso, mas descartado por conflito de interesses, e mesmo esse, sem qualquer chance de ganhar ou mesmo de ficar no top 5, caso fosse pré-selecionado.

Já em relação aos nossos amigos brasileiros, estes estiveram um pouco melhores, com duas entradas, sendo que uma delas conseguiu o honroso 5º lugar na categoria de acção e shoot'em up. Refiro-me ao Laserbirds, criação do talentoso Wilton. Quem o conhece sabe que se dedicou de coração e alma a este seu projecto. Este mesmo jogo foi avaliado na categoria de ecrãs de apresentação, ficando no 6º lugar com o ecrã desenhado pelo Andy Green que, como todos sabemos, é um artista fabuloso. Mas a votação do painel determinou que não tivesse entrado no top 5.

O brasileiro Laserbirds (2020) no 5º lugar da categoria Acção e Shoot'em Up.

Outro jogo brasileiro que, por muita pena minha, não conseguiu chegar às nomeações finais, foi o Devwill Too ZX do Paulo Andrés, game designer de Florianópolis e que se estreou de forma espectacular no ZX Spectrum, com este título no qual se nota a sua experiência na criação de jogos para outras máquinas. Esteve a julgamento nas categorias de gráficos e de plataformas.

Devwill Too ZX (2020) inicialmente selecionado para as categorias de plataformas e gráficos.

Russos, hispânicos e britânicos dominaram em toda a linha. De forma absoluta. E justa. Graças estes criadores, temos assistido ao aparecimento de jogos de uma qualidade extraordinária. Mas quanto a nós, portugueses? O Spectrum foi rei e senhor do nosso país por largos anos, marcando toda uma geração e, no entanto, não conseguimos corresponder a essa paixão como fazem, por exemplo, os espanhóis ainda hoje. No passado tivemos alguns poucos jogos de qualidade comercial - isto há mais de 30 anos atrás. Jovens como Rui Tito e Paulo Carrasco, entre outros, ensaiaram os primeiros passos de uma indústria de jogos que, infelizmente, só começaria a amadurecer décadas depois. Muitos jovens desta geração Spectrum cresceram para outras direções, e divergiram dos seus congéneres espanhóis que viriam a cimentar a era de ouro do software espanhol.

É bem certo que na época do Alien Evolution tivemos um contexto hostil à criação de um ecossistema como o do país vizinho, com a pirataria, o atraso crónico económico, o isolamento geográfico, a falta de investimento público, etc. Não quero levar esta minha linha de pensamento para a problemática da indústria de videojogos em Portugal, pois é um tema complexo que vai além do âmbito hobista do nosso nicho do ZX Spectrum e daria azo a longas discussões que não caberiam aqui. Mas de facto, este imobilismo na criação de jogos (no ZX Spectrum) parece se repetir ainda hoje: lançamentos esporádicos, alguns rasgos de génio, e apenas isso.

Num passado distante tivemos rasgos de génio! - Alien Evolution (1987)

O que justifica este desinteresse? Falta de um passado de que nos orgulhemos e que vá mais além de nostalgia kitsch em torno de um Paradise Café? Será a ausência de uma velha guarda que sirva de exemplo? Porque não temos um Borrocop, um Clive Townsend, ou um Renato Degiovani como referências presentes na nossa comunidade? Bom, a minha opinião é de que não se trata de falta de talento ou de matéria-prima a nível de capacidade intelectual. Não o foi quando Portugal teve uma fábrica da Timex, produzindo máquinas lusas, história que está bem documentada no Museu LOAD ZX. E também não o foi quando jovens criaram, a muito custo, jogos com grande qualidade mas que, por um isolamento geográfico do nosso país, arredado ao extremo ocidental da europa, acabaram esquecidos em muitos sótãos? O Planeta já relatou histórias como a do jogo Welcome to Hollywood, engavetado até bem recentemente, e não é caso único!

OK, tínhamos talento, mas não as condições favoráveis no meio. E hoje? Continua a não ser falta de talento, e o meio é muito diferente do Portugal dos 80s. Vejamos então o que temos hoje! O software esxDOS que corre na DivMMC, um interface para acesso a cartões SD foi criado pelo Miguel Guerreiro. História que também se pode conhecer no Museu. A nível de hardware temos quem seja capaz de criar interfaces e add-ons que não estão atrás do que são construídos em outros países (Álvaro, Paula, só para citar dois nomes). Temos programadores talentosos, alguns mais reservados e de que pouco se ouve falar, mas que estão em vários projectos na comunidade. Temos quem participe em esforços e projetos já há vários anos em fóruns (como o WoS nos seus tempos áureos).

Welcome to Hollywood (ex-MIA e engavetado durante muitos anos)

Temos algumas páginas que precedem o Planeta nos seus esforços de preservação (Encarnado). Temos criadores de emuladores que conhecem o Z80 como as palmas das suas mãos (o Rui). Hoje já começamos a ter quem produza jogos de uma forma mais frequente (Jaime). Ou a produzir mods de clássicos ou a participar em vários projetos internacionais (Jorge e Rui). Também na área de música temos quem produza músicas de fazer inveja aos russos (Pimenta). E como estes, mais ainda! Eles andam por aí, é só estarmos atentos!

Quanto ao Brasil? Eu residi uns anos nas terras dos nossos amigos brasileiros, pude aperceber-me daquilo que nos separa e do que nos une. E em muitos pontos somos parecidos. Um ponto de aproximação é o talento que também se evidencia no meio das dificuldades. Não vou alongar-me nos feitos da microcomputação brasileira pois há quem já tenha documentado muito bem esse pedaço de história (Marcus). Mas no que diz respeito ao nosso nicho actual do ZX Spectrum, os brasileiros também têm estado presentes: no Spectrum Computing com o esforço do Einar ao resgatar o maior repositório do ZX nos momentos mais difíceis, no Next com o Trucco e Belavenuto, ou na comunidade do ZX81 com o Kelly Murta, figura essencial no relançamento no clássico brasileiro Em Busca dos Tesouros (num esforço luso-brasileiro).


Eu sei que omiti muitos nomes! Mas voltando ao que interessa! O GOTY! Então se talento não falta, por que raios não temos uma produção de jogos num volume que justifique uma categoria para o espaço da língua portuguesa? Porque é que nós, Planeta, que temos vindo a preservar o nosso software nacional, o nosso passado, temos somente que premiar software internacional? Repare-se na fina ironia disto!

Bom, bem sei que é mais fácil mandar bitaites, visto que opiniões não custam nada, especialmente se direcionadas a terceiros. Mas também sei do que é estar nessa posição enquanto programador e hobista, entendo o vosso (e o meu) lado. Motivação é fundamental, seja para satisfazer necessidades materiais, seja para a realização pessoal. Hoje ninguém paga contas com jogos de ZX Spectrum, as necessidades materiais são satisfeitas com as nossas profissões, os nossos rendimentos. Certo, também somos mais velhos, temos independência financeira, mas outras obrigações da meia idade. Acontece que os russos, os espanhóis e os britânicos também e, no entanto, estão a lançar jogos uns atrás dos outros! Então a necessidade não é o dinheiro, será a realização pessoal?

Entra o componente hobista que eu falava anteriormente. Este inclui a satisfação obtida pelo prazer de criar um jogo e de verificar o quanto é prazeiroso para o jogador, ou seja, que o nosso jogo cumpre a sua finalidade lúdica. Vem também com o reconhecimento em comunidade visto sermos seres sociais. E é o desafio pessoal - uns querem subir ao topo do Killimanjaro para tocar nas suas neves brancas, outros querem fazer um jogo multicolor para um microcomputador obsoleto e incomparavelmente mais limitado ao mais fraco dos smartphones em nossa posse.

Certo, mas imaginemos que encontramos essa vontade sabe-se lá onde, mas olhamos para os nomeados de um GOTY ou de um Yandex, e é provável que surja a dúvida. Como chegar aos calcanhares de alguém de quem programa para o ZX Spectrum já há vários anos? Veja-se o caso de Denis Grachev com os seus jogos como Old Tower, que não é mais que o corolário de anos de dedicação. Como almejar algo parecido a um Delta's Shadow com a qualidade a que russos já nos habituaram. Ou similar a um Wonderful Dizzy, que foi desenvolvido por uma equipa experiente, ao longo de vários anos com mentoria dos próprios Oliver Twins?

Old Tower (2018) não é o primeiro jogo de Denis e sim o resultado de anos de experiência

Continuemos. Portanto para nos sentirmos motivados precisaríamos de uma meta realista. Uma categoria para a nossa comunidade lusa! Opa, certamente isso já anima o pessoal! Mas agora encontramos o dilema do ovo e da galinha, pois uma categoria só se justifica se houver jogos suficientes que satisfaçam os seus critérios. Precisamos de criadores motivados para produzir para uma categoria cuja existência depende desses mesmos criadores. Repare-se que a falta de títulos ditaram a exclusão de  algumas categorias, e o agrupamento de outras neste GOTY de 2020. Uma categoria para a nossa comunidade, só depende da vontade da nossa comunidade!

E é este o momento em que lanço o desafio:

Gostaria muito de termos esta categoria em destaque no próximo GOTY! Em grande! E em beleza! Demonstrando o crescimento da nossa comunidade. Em sinergia com o Museu! Mostrarmos que também somos capazes!

Aproveito para estender o repto aos nossos amigos brasileiros, com os quais partilhamos a mesma língua e história. Vários projectos surgiram recentemente com sinergias de ambos os lados do oceano. Vivemos num mundo globalizado, projectos são realizados com pessoas separadas por milhares de quilómetros. A distância não é desculpa. O todo é maior que a soma das partes, e a chance desta categoria vingar aumenta com o agregar das comunidades lusófonas!

Vamos fazer acontecer a categoria de melhores jogos do espaço da lusofonia! Vamos mostrar aos amigos espanhóis a nossa criatividade, aos amigos britânicos a nossa paixão, aos nossos amigos russos o nosso potencial!


E para terminar este "call to arms", seguem alguns recados pessoais!

- Senhor Paulo Carrasco, você deixou escapar no chat do GOTY que teria uma surpresa para nós! Estamos à espera! Imagine o quão seria importante para a comunidade termos um mentor de volta às origens com um novo jogo? :)

- Senhor Sandro Mestre, quem te acompanha sabe que tens, não apenas um, mas vários jogos (e para várias plataformas) que pedem para serem terminados! :)

- Senhor Wilton! A saga do Laserbirds não pode terminar aqui! Venham os veículos mecânicos!

- Senhor Jaime Grilo, tens agora um pixel artist bastante promissor! :) Aguardamos as tuas entradas de 2021!

- Senhor Paulo Andrés: a sua estreia com este jogo no ZX Spectrum foi muito auspiciosa! Será que não poderia surgir uma continuação do diabinho vermelho?

E pronto! Certamente omiti muitos nomes, de criadores e artistas, e desde já peço perdão por tal! Mas que não sirva para desanimar. Vamos fazer o GOTY 2021 acontecer em Cantanhede (se a pandemia permitir) e com uma categoria que a nossa comunidade merece!

8 comentários:

  1. Grande artigo parabéns. Agora tenho que me por a trabalhar. Cumps.

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  2. Estou totalmente de acordo. Parabéns pelo excelente texto e que venham muitos criadores e muitas idéias para o GOTY 2021! 👏🏼👏🏼👏🏼

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    1. Obrigado Elson! É isso mesmo, venham os jogos! :)

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  3. Caro Filipe,

    Sem querer desviar do assunto, acho que o problema aqui é, de facto, muito mais abrangente do que somente novas criações para o Spectrum.
    Lembro-me que, no tempo do Passos Coelho, foi inaugurado um novo polo técnico no IPCA de Barcelos, para dar apoio à nova licenciatura de "Engenharia em Desenvolvimento de Jogos Digitais".

    Ora, se a memória não me falha, tudo isto se passou por volta de 2013. Mais de meia dúzia de anos passados, onde é que estão os videojogos feitos por equipas portuguesas??
    Até países "complexos" como o Irão e a Geórgia já começam a produzir videojogos e a lançá-los no mercado. Mas em Portugal, nada...
    Há fenómenos aqui complexos, mas que convinha mesmo investigar. Até porque enquanto não se chegar à raiz do problema (que pode mesmo ser uma triste questão sociocultural), nada a fazer.

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    1. Caro Ronan,

      Sem dúvida, é um fenómeno complexo e difícil de dissecar. Do ponto de vista histórico e no que diz respeito ao trabalho que o Planeta Sinclair tem vindo a fazer, temos verificado as diferenças brutais entre o nosso país e, por exemplo, a Espanha que teve uma verdadeira era de Ouro do seu software comercial.

      Como escrevi no meu post, é uma discussão que ultrapassa as competências do Planeta, embora nós temos feito tudo que está ao nosso alcance para mudar o estado das coisas, pelo menos dentro do nosso nicho!

      Já ficaremos felizes se conseguirmos ter uma mão cheia de títulos que possamos pontuar e apresentar no próximo GOTY. E é certo que terão bastante divulgação, pois como deves ter reparado, o Planeta tem uma legião de seguidores que não falam o português e são ávidos por novos jogos!

      Veremos como corre! Estou optimista! :)

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    1. Isso mesmo! Jaime, acorda!! :)
      Na realidade já temos 1 jogo lançado do Jaime e do José Silva, com potencial para a categoria lusófona. Mas é insuficiente. Precisamos de mais!

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